Finalmente criei um blog, mas infelizmente os textos que coloco não são da minha autoria, um dia, quem sabe, me atrevo a escrever alguma coisa.
Estou tentando, ao máximo, ser fiel aos escritores, mas nem sempre consigo, então na incerteza da autoria, estou colocando AD (Autor Desconhecido). Com relação às fotos, estou buscando no Google e não cito as fontes por não saber a quem pertence.
Caso você encontre aqui algum erro de autoria, alguma foto que não posso usar sem citar a fonte, favor comunicar.

Meus beijos e sejam bem vindos!
Virgínia Costa

sexta-feira, 29 de março de 2013

Ensaios de separação


 Detesto brigar de manhã. Quando se briga à noite, ainda há chance de reconciliação antes do sono. Talvez as pazes possam vir pela manhã, na mesa do café. Mas, quando se briga logo cedo, não tem jeito. A gente sai de casa irritado, às vezes até batendo a porta, e passa o dia com aquela sensação opressiva no peito. Pura infelicidade. Acho que faz um mal danado à saúde. Certamente faz mal para a relação.

Nem todo mundo percebe, mas o pesar que a gente carrega depois de uma briga é uma forma severa de luto. Ele deixa na boca o mesmo gosto da separação. É uma sensação dolorosa de perda, recoberta por uma camada de fúria e indignação. O nosso cérebro viaja cento e cinquenta vezes por segundo entre o mais completo desalento e a mais lúcida justificação. Enquanto isso, os hormônios da tristeza tomam conta. Mesmo que alguma forma de reconciliação nos resgate ao longo do dia, o dano está feito. Fizemos mais um ensaio de separação.

Nem todo mundo se dá conta, mas essas brigas diárias são os caquinhos com que a gente faz um caminho. Num dia você briga, sofre um pouquinho e aguenta. No outro, dói um tantinho mais e, novamente, supera. Multiplique isso por semanas e meses e você tem a perfeita preparação para o desenlace: quem lida com a discórdia todos os dias acaba vivendo em luto. Antecipa o pesar da ruptura, na verdade. É uma espécie de adiantamento. Um belo dia, depois de mais um arranca rabo, percebe que está pronto para virar a página e seguir sozinho. Já sofreu em conta gotas o que tinha de sofrer.

Dizem que há gente que adora discussões e curte relacionamentos que funcionam aos berros. Eu não duvido, mas que tipo de gente? Todo mundo que eu conheço que vivia em conflagração acabou se cansando. Como boxeadores exaustos, jogaram a toalha com a cara ensanguentada. Gente normal. Os que gostam de armar barracos, aqueles que amam trepar como bichos depois de sair aos tapas, pessoas que apenas se sentem vivas quando a adrenalina de uma briga faz o coração bater mais rápido – para esses eu não tenho nada a dizer.
 Claro, é impossível viver muito perto de alguém sem brigar de vez em quando. O convívio acumula alguma forma de energia negativa que tem de ser descarregada. Seres humanos não são inteiramente destinados à intimidade. Uma parte de nós se rebela com o excesso do convívio. Então brigamos, para demarcar um espaço psicológico bem claro – eu acabo aqui, você começa aí, não invada! É necessário impor limites e estabelecer fronteiras o tempo inteiro, mas a gente faz isso com suavidade. Em geral, basta um rosnado para que o outro perceba onde tem de parar.

Há também as brigas por princípios.

Se o sujeito chega em casa celebrando a morte do Hugo Chávez e você acha que o presidente da Venezuela era um herói latino-americano – eis um bom motivo para uma discussão. Se você está transtornada com o cara que atropelou o ciclista na Avenida Paulista e jogou o braço dele no rio, enquanto o seu namorado acha que todo ciclista tem mesmo de se danar – eis um excelente motivo para uma briga definitiva. Se você acredita que tem o direito de almoçar com uma amiga e a sua namorada acha que não, arregace as mangas e comece a falar sério com ela. Se ele insiste em conviver com a família ou os amigos dele o tempo todo, e você não se sente feliz com eles, ponha suas cartas na mesa. As brigas por motivos relevantes são como as guerras justas – mais que explicáveis, necessárias.

O que não se pode, o que não se deve, é brigar por besteiras diariamente. Assim os relacionamentos se desgastam. A nossa natural inclinação à ternura vai sendo embotada pela raiva até que o coração paralise. Até que a voz do carinho emudeça. Até que os olhares se percam um do outro. Melhor não. Muito melhor é tomar as mãos delas nas suas e dizer coisas baixinho. Lembre: não fomos feitos para o atrito. Na intimidade, somos afáveis e macios. No nosso interior jazem sentimentos de infindável doçura. A raiva é apenas uma parte do que nos reveste. Vira e mexe temos de exibi-la, mas, lá dentro, nossa real substância é outra. Internamente, somos feitos com o material intangível do sorriso dos bebês. Não queremos brigar e muito menos chorar.

(Ivan Martins)