Finalmente criei um blog, mas infelizmente os textos que coloco não são da minha autoria, um dia, quem sabe, me atrevo a escrever alguma coisa.
Estou tentando, ao máximo, ser fiel aos escritores, mas nem sempre consigo, então na incerteza da autoria, estou colocando AD (Autor Desconhecido). Com relação às fotos, estou buscando no Google e não cito as fontes por não saber a quem pertence.
Caso você encontre aqui algum erro de autoria, alguma foto que não posso usar sem citar a fonte, favor comunicar.

Meus beijos e sejam bem vindos!
Virgínia Costa

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Surra de cama

Foi uma moça americana quem me disse, no meio de uma festa, que os homens brasileiros tinham mania de transar demorado. Em vez de fazer sexo de um jeito gostoso e rápido – que ela considerava ideal -, seu namorado brasileiro não parava enquanto ela não estivesse exausta e irritada. “Numa noite especial, de vez em quando, tudo bem”, ela me disse, cheia de impaciência. “Mas, a toda hora... Eu não sou maratonista.” 

Para que fique claro, ela não se queixava de longas e minuciosas preliminares. Reclamava do tempo excessivo de penetração, que ela considerava apenas uma exibição de vigor da parte dele. Ao final da festa, todo mundo bêbado, ela ainda voltou ao assunto e me perguntou se os brasileiros eram todos assim, exibicionistas. Constrangido e ofendido nos brios nacionais, eu respondi, encerrando a conversa, que não fazia a menor ideia.

Esse diálogo ocorreu faz tempo. Na hora, eu achei, com alguma razão, que era conversa de gringa, choque cultural e tal, mas o comentário ficou gravado. Desde então, toda vez que um amigo se gaba – como os homens fatalmente fazem – de ter dado “uma surra de cama” numa garota, dentro de mim uma voz sarcástica pergunta: “E ela, gostou?” 

Antes de prosseguir, uma informação em benefício das mulheres: os homens são terrivelmente solitários quando se trata de sexo. Embora gastem um tempo enorme falando do assunto, eles não trocam informações verdadeiras. Enquanto as mulheres conversam sobre as suas dificuldades, os homens relatam ao bando apenas os seus triunfos, reais ou imaginários. O resultado é que existem dois mundos opostos na cabeça masculina, quando se trata de sexo. Um é feito de performances medianas, vexames e glória eventual. É o mundo da experiência verdadeira, íntima. O outro mundo, repleto de conquistas épicas e ereções olímpicas, é o do relato mitológico dos outros. Qual é a realidade coletiva? Não faço ideia. Sei que na cama, como diria Fernando Pessoa, somos todos príncipes

Quem salva os homens da completa desinformação em relação ao sexo são as mulheres. Elas nos relatam, em geral de forma indireta, o que acontece na intimidade delas e dos outros homens. Como não estão comprometidas em contar vantagem, nem preocupadas em destruir reputações, (exceto em uma ou outra ocasião...), vêm delas bons relatos. E opiniões menos apaixonadas. Por isso decidi, na semana passada, esclarecer diretamente com elas a história das transas demoradas: afinal, isso é bom para elas ou não é?

Minha pequena amostra, colhida entre mulheres de idades e situações conjugais distintas, sugere que o empenho dos homens em esticar aquele momento ao máximo pode ser inútil.

Várias mulheres dizem detestar sexo prolongado: “Enquanto o cara está lá, se achando o máximo, eu fico pensando, ‘meu deus, acaba logo com isso’”. Outras dizem gostar apenas de preliminares demoradas: “Elas são importantes e deliciosas”. Poucas afirmam gostar de “trepadas quilométricas”, com recordes de penetração. “No começo de um relacionamento ou empolgada com um flerte, é legal”, me disse uma. Mesmo quem gosta muito, faz ressalvas: “Tem de ter intensidade, sentimento. Não pode ser uma coisa mecânica”.
É quase unânime a opinião entre as mulheres que os homens estão se empenhando exageradamente por desinformação. “Acho que teve tanto marketing nas revistas femininas para combater a ejaculação precoce que a história virou para o outro lado”, me escreveu uma amiga. “Hoje, os caras vão para a cama como quem vai para um teste de resistência.” Ela me disse que a tendência é tão forte que as garotas começam a regular sexo por achar que o parceiro está esperando uma maratona – e elas não se sentem fisicamente preparadas.

Outra coisa que fica nítida nessas conversas é o apego das mulheres por experiência emocionais durante o sexo, não somente físicas. Homens que não gozam privam a parceira de uma sensação importante de satisfação.

Aqueles que gozam e depois se dedicam ao orgasmo dela ganham pontos na categoria da solidariedade erótica. Quem consegue gozar ao mesmo tempo em que elas, leva para casa um troféu de enorme valor por sintonia. Sentimentos, rapaz, sentimentos...

Claro, essas coisas variam de casal para casal. Quem gosta de um jeito com fulano pode gostar de outro com sicrano. É preciso explorar as possibilidades, no limite do temperamento de cada um. As regras são flexíveis, mas existe uma coisa chamada personalidade sexual. Alguns curtem sexo intensamente e são capazes de transar por horas. Outros gostam ainda mais, mas concentram seu prazer em espasmos curtos. Há os que se interessam menos pelo assunto.

Sexo, afinal, é diversidade, como tudo na vida. Muitos adoram correr, tantos detestam. Uns têm enorme capacidade de concentração, outros se distraem com facilidade. Há pessoas gulosas e aquelas naturalmente comedidas. Se as pessoas são diferentes em tudo, não é de esperar que se comportem da mesma forma na cama - a não ser que estejam tentando imitar um padrão, o que constitui enorme besteira. Um dos segredos públicos do sexo feliz é a necessidade de descobrir seu próprio jeito de ter prazer. Mas isso leva tempo e implica, necessariamente, em pôr de lado estereótipos e modelos.

Para os homens não é fácil. Desde que a gente é garoto, tem sempre um sabichão disposto a explicar do que as mulheres realmente gostam. Essas conversas prematuras e desinformadas, que envolvem quantidades imensuráveis de mentiras, tendem a encher nossa cabeça de lixo. Demora a livrar-se delas e descobrir, na prática do sexo, no afeto das relações, o que é bom e ruim, para nós e para elas. Na verdade, é um trabalho para a vida inteira.

Da minha parte, gosto de pensar em sexo como um trem em movimento. O orgasmo é uma estação onde todo mundo quer descer, de preferência juntos. Nem sempre dá. Em geral nós, homens, desembarcamos primeiro, e temos de esperar, cheios de dedos, pelo vagão da mulher, que vem lá atrás. Com a prática e as preliminares, a ordem se inverte: ela desce do trem primeiro, depois nos ajuda com a nossa bagagem. De um jeito ou de outro, o tempo da viagem é menos importante que chegar ao destino. Quando os dois estão os dois na plataforma, felizes, pode-se fazer qualquer outra coisa: passear, ler, dormir, comer. O trem do sexo, afinal, vai estar lá à nossa espera, toda vez que quisermos viajar.

(Ivan Martins)

Alma de Corno

Nelson Rodrigues, o Nietzsche brasileiro, escreveu que certos homens nascem para ser traídos. Pesaria sobre esses infelizes genéticos uma pátina de fatalidade que os faria caminhar - feito um Édipo, feito um Hamlet, feito um idiota - em direção à única tragédia percebida como tal por estas bandas, o chifre.

Nelson era um homem dos anos 30, mas, neste assunto, acho que o imaginário brasileiro não mudou substancialmente. Para homens ou para mulheres. A traição ainda é vista como uma tragédia pessoal insuperável. A fraqueza masculina é a sua principal explicação, acompanhada, naturalmente, pelo pérfido caráter feminino. A violência, ou pelo menos a mais terrível vergonha, é percebida como a única resposta imaginável.

Tudo isso no plano moral, quase filosófico. Na vida real, as pessoas traem e são traídas cotidianamente, sem que isso cause enorme confusão. Os envolvidos sofrem as consequências íntimas e sociais dos seus atos, que às vezes são graves, mas, na maior parte das vezes, o drama privado não acaba em acerto de conta público. Embora às vezes termine, tragicamente. 

Mas o plano imaginário é terrivelmente importante. Nós vivemos tanto no mundo dos atos quanto no mundo das ideias. E as nossas ideias nesse terreno são antigas. Agimos de forma moderna, mas sentimos de forma antiquada. O velho fantasma da traição ainda nos põe obcecados. Homens e mulheres. Andamos por aí com um sorriso nos lábios, mas em estado de vigília permanente, interiormente atormentados. Morremos de medo. Parece que não existe nada mais importante no mundo do que a nossa maldita honra.

No fundo, temos alma de corno. Não por estarmos fadados a ser traídos, como pensava Nelson, mas por vivermos apavorados com essa ideia.

O medo da traição domina a nossa vida social. Fazemos piadas incessantes sobre o assunto para exorcizar o terror de que nos aconteça. Temos na ponta da língua frases lapidares sobre o tema. Comentamos intensamente a vida dos outros por perceber, melhor que os envolvidos, o inevitável chifre que vem vindo. Julgamos quem está em volta drasticamente, cegamente, com base na percepção de risco que ele ou ela nos impõe. Começamos e, sobretudo, terminamos relacionamentos por medo de ser enganados. O chifre assombra a nossa vida com a fatalidade do inevitável. Somos viralatas medrosos e assustados quando se trata desse assunto. Homens e mulheres. 

Parte da nossa paranóia tem origem óbvia: a mania de tratar coisas íntimas como assuntos públicos. Discutimos com tanta insistência a vida dos outros que antecipamos como os nossos reveses serão julgados, da mesma maneira frívola e impiedosa. À dor íntima da traição ou do abandono, que é imensa, juntamos a vergonha de ser expostos ao ridículo. Imaginamos as piadas, os comentários, o sarcasmo. Isso enlouquece. Se déssemos menos importância ao que os outros pensam e falam, se fôssemos mais privados na nossa dor, o sofrimento seria menor. E a paranóia também.

O outro componente do nosso medo é interior. Enxergamos na traição um julgamento a nosso respeito. Um homem de verdade não seria trocado; uma mulher atraente não seria deixada para trás. É puro Nelson Rodrigues. Quando somos enganados, sentimos que a culpa é nossa. Ao acusar o outro, tentamos desviar a atenção sobre a nossa suposta responsabilidade. Somos incapazes de perceber que o desejo vai como veio. Que a atração entre duas pessoas não implica num juízo sobre qualquer outra. Que as escolhas eróticas e afetivas não estão baseadas em quadros comparativos de virtude, virilidade ou feminilidade. Ao sermos enganados, esquecemos que o desejo não tem regras.

Talvez seja hora de deixar essa visão antiga para trás. Viver a felicidade sem medo, aproveitar a curtíssima vida sem sobressaltos. O amor entre as pessoas existe, os compromissos que elas assumem são reais, o respeito é parte da vida. Se as coisas mudarem, teremos de lidar com elas. Quando acontecer. Com dor, com tristeza, com raiva. Com dignidade também. Privadamente. O mundo de Nelson Rodrigues, dos homens temerosos e das mulheres impotentes, todos discutindo a vida de todos os demais no portão, vai se dissolvendo lentamente ao nosso redor. Podemos inventar para nós mesmos um outro mundo, melhor.

(Ivan Martins)